quinta-feira, 14 de abril de 2011

Velho Sertanejo


Velho sertanejo, que nasceu em uma terra de pastagens verdejantes, em uma fazenda de muita fartura, de muita liberdade. Mas a seca, como em outras paragens daquele semiárido do sertão, fez ele e sua família abandonarem aquela fazenda; e lá se foi o velho sertanejo, então com oito anos de idade, se instalar com os seus em uma cidade que mesmo no sertão dispunha de alguma facilidade em termos de aquisição da água tão necessária.
Cresceu no sertão. Um belo dia, já adulto, migrou para a cidade grande e adquiriu uma outra realidade. Se empregou, estudou, passou de filho de grande fazendeiro a assalariado. Mas aprendeu o ofício de agrimensor, em uma época em que haviam muitas terras a serem medidas, muitas obras, açudes, e ainda não existia o GPS, era tudo no "olho", no "aparelho" topográfico, e depois nos intermináveis cálculos feitos numa calculadora a pilha e na ponta do lápis.
Muitas serras, muitas léguas percorridas. Muita mata. Creio que aquela profissão ainda lhe oferecia a velha liberdade da antiga fazenda de seu pai.
Hoje, momentos estranhos aconteceram. Saindo de casa, ao passar por sobre um viaduto, a manhã cristalina exibia uma visibilidade rara, até mesmo porque o dia anterior fora de muita chuva. Havia uma serra azul que se destacava ainda mais no horizonte, e havia um avião subindo ao céu de maneira que dava para visualizar perfeitamente o seu contorno. Aliás, desde o dia anterior o que mais via no céu eram aviões, aqueles que pareciam apenas fazer um trajeto burocrático cumprindo alguma missão, pois eram aviões militares, talvez de vigilância, ou treinamento.
Subindo rampas, escadas, corredores, e finalmente um elevador, seguíamos sem querer um velho frei, com sua roupa típica franciscana, com sua barba e cabelos branquíssimos, e apenas a "concunda" causada pela velhice a consagrar a idade avançada. Me perguntei porque o velho sertanejo não havia chegado naquela ótima condição, até porque era dois anos mais novo do que aquele frei, que aparentemente não apresentava a terrível artrose que acometia o velho sertanejo. Acabei por concordar com os comentários de outros, de que a situação precária em termos físicos devia-se à maior liberdade de locomoção do velho sertanejo, que percorreu léguas de distância na juventude e na fase adulta, tanto pelo divertimento como e principalmente pela labuta, e daí vieram os desgastes naturais devido ao uso intenso das articulações.
Aquele frei não estava ali "de graça", apenas cumprindo a missão que lhe fora devida por outra pessoa que o levou até àquele local; como tampouco os aviões apareciam "coincidentemente" quando vez ou outra eu buscava uma paisagem diferente, ou buscava tirar os olhos daquela realidade que estava vivendo. Como tampouco foi por acaso que ao entrar no banheiro me veio um pensamento do nada, de estar em um local verdejante, um gramado, em um dia resplandescente, e me levantando para fazer uma graça para uma garota que estava sentada, tirando o calção e saltitando de cuecas pelo campo.
Aquela alegria toda, naquele paraíso, que por um momento pensei que seria eu que estava vivendo, me caiu a ficha de que era o velho sertanejo com sua amada que fora antes que ele para o paraíso, e naquela imagem, novamente jovens e alegres pelo reencontro, brincavam como velhos conhecidos, ou como pessoas que saíram de uma condição em que a velhice não existiria e finalmente voltavam a ficar juntas. Como também o "verdejante" proferido "coincidentemente" durante a leitura bíblica, na missa, logo após, só veio a fazer cair a ficha sobre o pensamento sobre os dois jovens alegres e bonitos naquele paraíso verdejante, no campo. Por um momento era como estivessem me dizendo, me fazendo ver onde estava o velho sertanejo, que reencontrou a sua eterna amada.
Também o sermão especial, elogiado ao final, feito por um padre ancião, veio a coroar a "alegria" conquistada pelo velho sertanejo, que partiu quase dormindo, sem dor, falando se eu havia cortado o cabelo, como se ainda adolescente eu fosse; falando-me "meu garoto", como se ainda garoto eu estivesse à sua frente, e falando de estar se sentido em Boa Viagem, ou na Boa Viagem, pois não entendi se ele se referia a uma cidade específica que ele conheceu em suas andanças profissionais, ou se estava se referindo à Boa Viagem comum a todos, em algum momento da vida.

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