terça-feira, 5 de abril de 2011

Interiorização


Observar a si mesmo, olhar para si mesmo, interiorizar-se, olhar para dentro, olhar para si frente ao mundo... A presença no mundo é algo que deve ser refletido. A simples presença no mundo é algo excepcional, é saber-se possuidor de características e condições especiais que possibilitam a existência tal qual tomamos conhecimento ao olhar para nós mesmos. E antes de qualquer tomada de posição, ou de rotulação, querendo uma conceituação acerca desse “exercício” a ser desenvolvido, deve-se apenas observar que essa tomada de visão sobre si mesmo é um passo importantíssimo para uma independência frente ao mundo, sobre as emergências que o mundo coloca a cada um de nós.

Quero definir esse “exercício” ou tomada de visão como sendo uma constatação de que a própria existência é algo extraordinário, mesmo que esse “extraordinário” seja afeito a muitos, a milhões de seres vivos, cada qual vivendo sob condições encontradas ou adquiridas.

Não se trata de uma fuga, como muitos julgam qualquer tipo de meditação (que prefiro chamar de interiorização), mas de uma visão interior e exterior ao mesmo tempo; da tomada de consciência de que a vida é o bem maior e que deve ser bem conduzido, deve ser preservada dos estresses desnecessários que a vida ou o mundo impõe a cada um de nós. O interiorizar-se passa a ser uma conduta de aperfeiçoar-se frente a nós mesmos, conhecer a nós mesmos, compreendermos a nós mesmos, numa busca de condições mais favoráveis - em nós mesmos -, na caminhada no mundo. Devemos refletir até que ponto o meio externo deve influir em nosso interior, que se torna, a partir de então, o mais importante a ser preservado; que o meio exterior não deve ser o senhor da nossa existência, ou não deva permear a existência, e por isso mesmo deve ser evitado, deve ser contornado e deve ser colocado ou deixado em seu próprio meio.

É olhar para si mesmo a partir de dentro. É saber-se um componente existente em determinado espaço geográfico e político, mas que esses últimos fatores não devam ser a mola-mestra a conduzir a trajetória da vida. É deixar o mundo viver em seu próprio ritmo; é não se assustar com o movimento do mundo, mas tomá-lo como algo natural ao mesmo, afinal, tudo no mundo tem movimento, a começar pelo próprio mundo.

E de repente os milagres acontecem. E de repente a vida toma ares mais de acordo com o eterno movimento do mundo, com a mágica que se tornou viver e estar no mundo. De repente nós nos tornamos muito especiais para nós mesmos e começamos a comandar a nossa vida sob fatores mais de acordo com o movimento do mundo. Já não precisamos nos sobressaltar em relação aos percalços, às condições que não consideramos condizentes com as perspectivas que construímos e consideramos como ideais, apenas aceitamos que a vida em seu aspecto maior sempre dá a palavra final.

A palavra final já não deverá ser uma busca incessante; é apartar-se da competição inerente ao regime econômico em que estamos inseridos; é saber que com essa sintonia o mundo acaba sendo visto sob outros olhos, sob outras condições. E acaba-se ganhando um movimento diferente no mundo, sobre o mundo; acaba-se sendo um ser próprio, um ser único, dono de si mesmo; acaba-se procurando dentro de si a saída que sempre é buscada no exterior.

É esse estranhamento consigo próprio que deve ser o ponto inicial de descobertas incríveis que estavam encobertas pelas emergências do mundo, da vida, numa trajetória material que aprisiona a vida apenas sob esse aspecto – material – tornando-nos apenas sujeitos econômicos e sociais a desempenharem ações com um fim quase universal.

Sair desses parâmetros e através da interiorização alcançar patamares mais afeitos à boa condição espiritual deve ser um “exercício” não apenas eventual, mas habitual.

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